Treinamento em Regulação Emocional: programas estruturados para pacientes ansiosos

A regulação emocional tem se consolidado como um alvo terapêutico central nos transtornos de ansiedade. Ansiedade é um estado emocional de antecipação de ameaça futura, caracterizado por apreensão e vigilância, com componentes cognitivos (preocupação, avaliação de risco), fisiológicos (tensão muscular, hiperexcitação autonômica) e comportamentais (evitação, busca de segurança). Torna-se transtorno de ansiedade quando esses sintomas são persistentes, difíceis de controlar e desproporcionais ao risco, produzindo sofrimento ou prejuízo clinicamente significativo no funcionamento (APA, 2025). 

Indivíduos com transtornos ansiosos apresentam maior dificuldade em identificar, compreender e modular estados emocionais, recorrendo frequentemente a estratégias desadaptativas como evitação experiencial, ruminação e supressão emocional (Antuña-Camblor et al., 2024). Esses estilos de enfrentamento contribuem para a manutenção do sofrimento, uma vez que reduzem oportunidades de exposição a situações ansiogênicas e reforçam a percepção de falta de controle sobre a própria vida emocional. Nesse contexto, o treinamento em regulação emocional se torna não apenas uma técnica útil, mas uma dimensão essencial do tratamento. 

Os programas estruturados de intervenção em regulação emocional compartilham algumas características fundamentais: são programas, com módulos, psicoeducação inicial, exercícios feitos em sessão e práticas para casa, além de um conjunto definido de metas terapêuticas. Esse tipo de estrutura favorece tanto a adesão quanto a replicabilidade clínica, permitindo que psicólogos conduzam o tratamento de forma consistente e baseada em evidências. Entre as abordagens mais reconhecidas estão a Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) (Beck, 2022), a Terapia Comportamental Dialética (DBT) (Linehan, 2025), a Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT) (Hayes et al., 2021)  e a Terapia Focada na Compaixão (TFC) (Gilbert, 2014). Todas elas têm, em comum, a ênfase no desenvolvimento de estratégias de manejo emocional, embora se diferenciem nos mecanismos específicos que buscam promover. A escolha do programa mais adequado deve levar em conta o perfil sintomático, as necessidades e preferências do paciente. Por exemplo, em casos de ansiedade com forte evitação experiencial e autocrítica, ACT e TFC tendem a ser particularmente úteis; já pacientes que apresentam crises de intensidade elevada, impulsividade ou reatividade emocional podem se beneficiar mais dos módulos da DBT; enquanto a TCC continua sendo a base mais consolidada para a reestruturação cognitiva e a modificação de padrões de pensamento associados à ansiedade (Beck, 2022). 

Na prática clínica, o treinamento em regulação emocional exige uma estrutura bem definida. Uma sequência comum envolve iniciar com psicoeducação, avançar para a identificação e rotulação de emoções, introduzir técnicas de manejo (reestruturação, aceitação, mindfulness) e consolidar a aplicação em situações do cotidiano. Ajudar o paciente a discriminar estados internos é fundamental, já que muitos pacientes ansiosos apresentam confusão ou fusão entre sensações fisiológicas, cognições e emoções. Essa habilidade é trabalhada em DBT por meio do módulo “mindfulness” e em ACT pelo processo de desfusão cognitiva, enquanto na TCC aparece nos registros de pensamentos e emoções. Em seguida, a psicoeducação sobre emoções e respostas fisiológicas cumpre um papel essencial, desmistificando sintomas como taquicardia, tremores ou sudorese e mostrando como tais reações fazem parte do sistema de defesa do organismo. Esse componente educativo reduz o medo secundário e abre espaço para maior tolerância às respostas ansiosas. 

Outro bloco central é o treino de estratégias de reestruturação cognitiva e aceitação emocional. Na TCC, enfatiza-se a identificação e modificação de distorções cognitivas, enquanto ACT e TFC trabalham a aceitação de estados internos dolorosos, reduzindo a luta contra as emoções. Esses aspectos são complementares, pois os pacientes aprendem tanto a questionar pensamentos automáticos quanto a conviver de modo flexível com o desconforto, assim, desenvolvem maior repertório de enfrentamento. Além disso, práticas de mindfulness e atenção plena, integradas em DBT, ACT e TFC, oferecem ao paciente a possibilidade de observar experiências internas no presente, reduzindo a tendência à preocupação antecipatória, típica dos transtornos ansiosos (Larsson et al., 2024). 

Outros recursos são as fichas de automonitoramento, metáforas clínicas (ex.: “ondas emocionais”, “montanha-russa interna”) e exercícios experienciais. Os exercícios experienciais podem ser utilizados para promover engajamento e aprendizado ativo. Na DBT, por exemplo, os exercícios de mindfulness convidam o paciente a observar a respiração ou o som de um sino, treinando foco no presente antes de lidar com emoções intensas. Na ACT, é comum o uso de práticas de desfusão, como repetir várias vezes um pensamento doloroso em voz alta (“sou um fracasso”) até que ele perca sua força, ou visualizar pensamentos como folhas descendo em um rio. Já na TCC, um exercício frequente é o registro em tempo real de uma situação ansiosa (ex.: falar em público), identificando pensamentos automáticos e emoções associadas, seguido de um experimento comportamental planejado para testar a validade da crença. Por fim, na TFC, o paciente pode ser guiado a evocar a imagem de uma “figura compassiva” — real ou imaginária — e ensaiar como seria receber dessa figura uma resposta calorosa e validante diante do sofrimento. Esses recursos, ao invés de apenas explicar conceitos, permitem que o paciente vivencie no aqui e agora novas formas de se relacionar com suas experiências internas.  

O manejo de resistências é esperado, sobretudo em pacientes que veem as emoções como ameaçadoras. Nesses casos, intervenções graduais de aceitação (ACT), cultivo de autocompaixão (TFC) e validação ajudam a criar um ambiente seguro para que o paciente se arrisque a experimentar novas formas de lidar com a ansiedade. 

A avaliação de resultados deve incluir indicadores objetivos e subjetivos. Escalas como a DERS (Difficulties in Emotion Regulation Scale) (Cancian et al., 2019) e medidas de sintomas ansiosos como o  BAI (Beck Anxiety Inventory) (Carvalho & Valim, 2025) e a DASS-21 (Depression, Anxiety and Stress Scale) (Oliveira et al., 2025) permitem acompanhar progresso quantitativo. O relato do paciente sobre maior tolerância a emoções, menor uso de estratégias evitativas e aumento da eficácia interpessoal são igualmente relevantes como indicadores qualitativos. Caso haja pouca evolução, o terapeuta pode adaptar a sequência dos módulos, intensificar a prática entre sessões ou integrar recursos de outra abordagem. A regulação emocional também desempenha papel decisivo na prevenção de recaídas, já que pacientes que desenvolvem habilidades sólidas tendem a enfrentar melhor situações estressoras futuras, reduzindo risco de retorno dos sintomas. 

Em termos de impacto clínico, intervenções sistematizadas de regulação emocional em pacientes ansiosos têm demonstrado resultados consistentes em ensaios clínicos randomizados e revisões sistemáticas. Uma meta-análise (Millard et al.,2023) mostrou eficácia robusta da TFC em reduzir sintomas de ansiedade e autocrítica. Também foram documentados bons resultados da DBT em formato online para transtornos emocionais (Norman-Nott et al., 2025). A ACT, por sua vez, conta com centenas de ensaios clínicos randomizados (Ferreira et al., 2022) que atestam sua efetividade para transtornos de ansiedade, enquanto a TCC permanece com alta aplicabilidade e solidez empírica. Essas evidências sugerem que, mais do que alternativas excludentes, tais programas podem ser entendidos como complementares, compondo um repertório que o terapeuta pode modular conforme o caso. 

Conclui-se que o treinamento em regulação emocional é uma estratégia fundamental no tratamento da ansiedade e deve ocupar lugar de destaque nos planos terapêuticos. Para além da técnica, é importante reconhecer que a eficácia de tais intervenções depende também da integração com o vínculo terapêutico, da validação da experiência emocional do paciente e da construção colaborativa de metas. A constante atualização profissional sobre as evidências em regulação emocional é, portanto, indispensável para que a prática clínica mantenha-se efetiva, ética e humanizada.